segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Cultura, socialização e diversidade humana

Fig. 11 - Um ser humano sem cultura não passa de um animal


 Nascer Homem não é condição única e suficiente para nos tornarmos humanos. Nascimento, alimentação, doença, reprodução e morte são exemplos de fenómenos indiscutivelmente biológicos que caracterizam universalmente a vida animal. Mas são, no que ao ser humano diz respeito, fenómenos simultaneamente sociais e culturais. Não se conhece qualquer sociedade que não tenha criado um sistema de crenças, valores, normas, hábitos, conhecimentos, etc...

Cultura - soma total do conteúdos, modos de pensamento e comportamentos transmitidos no decurso do processo de socialização.

 A capacidade do ser humano para se adaptar ao meio, transformando-o e reinventando-o através da cultura, distingue-o dos outros animais.
 Aos percorrermos as diferentes sociedades encontramos um conjunto de elementos ou características que, no essencial, estão presentes em todas as culturas:
- uma língua;
- uma história;
- uma religião dominante;
- uma série de costumes e de valores;
- sistemas de organização social, incluindo normas de conduta;
- artefactos únicos dessa sociedade;
- hábitos alimentares e sanitários socialmente aceites;
- uma moral comum, etc...

 Embora em sentido abstracto a cultura seja universal, a verdade é que a cultura não tem universalidade, mas antes uma enorme diversidade/variação que nos obriga a falar de padrões culturais.

 Padrão cultural - forma colectiva e específica de conduta cultural que uma sociedade estabelece como ideal e que visa a normalização do comportamento dos indivíduos de uma sociedade, possibilitando a satisfação das suas necessidades bem como a previsibilidade dos comportamentos dos seus membros.

 Neste sentido, devemos falar da socialização.

 Socialização - processo pelo qual, ao longo de toda a vida, o ser humano aprende e interioriza os diversos elementos da cultura envolvente, integrando-se assim num meio social e cultural específico.

 O processo de socialização:

  • Desenvolve a sociabilidade;
  • Permite a interiorização de um padrão cultural;
  • Gera sentimentos, atitudes e comportamentos comuns;
  • Possibilita a integração;
  • Constrói o sentimento de pertença, o "NÓS", a identidade social e cultural dos indivíduos.
 A socialização não é dada nem concluída à partida: atravessa toda a vida dos indivíduos. Embora seja particularmente intensa durante a infância e a adolescência, é uma demanda permanente de aprendizagem.
 A socialização requer três dimensões: processo mental ou cultural (aquisição de conhecimentos); processo afectivo (formação de vínculos) e processo comportamental (conformação social da conduta).
 Existem dois tipos de socialização: primária e secundária (a primeira ocorre durante a infância e permite a aquisição de um conjunto de saberes primários ou básicos, como falar ou andar; a segunda acompanha toda a vida adulta e designa ajustamentos do indivíduo em função de alterações significativas do meio social, como a conduta num clube desportivo).
 O processo de socialização é, pois, um processo interactivo e mútuo que afecta sempre o comportamento e a conduta de todos os seus participantes. O indivíduo, ao longo do seu processo de socialização, não se limita a ser um recipiente passivo, um guardião de uma tradição transmitida socialmente: constrói-se, participa, interpreta, rejeita, recria e renova permanentemente o seu ambiente social. O ser humano é, portanto, não apenas um produto do seu meio, mas também um produtor de cultura.

Documentário "Um Cérebro Brilhante - Nascido para ser génio"

No âmbito desta análise sobre o cérebro, é proposta a introdução do documentário da National Geographic sobre crianças sobredotadas. Esta é uma das três partes do documentário que impõe as questões: "será o talento algo inato, ou seja, que vem de nascença?" ; "será um cérebro de um sobredotado anatomica e fisiologicamente diferente das demais pessoas <<normais>>?" e "Existe um génio da genialidade?".


 A análise deste episódio que eu próprio fiz segue-se:

Fig.11 - Capa da national Geographic

 Este documentário tem como problema central se existe de facto, o gene da genialidade,  ou se qualquer um pode ser génio apenas com base em treino e ambiente correcto. Como os estudos da psicóloga concluem, ser um génio não é algo comum nem fácil, pois poucas crianças têm o dom inerente à pessoa sobredotada, algo que não é dado com a educação. Os genes dão uma probabilidade ou propensão da criança em adquirir certos conhecimentos, mas apenas são efectivamente demosntrados se estimulada a criança para tal(tal como a psicóloga diz, não será qualquer criança que, mesmo com o regime de treino de Marc Yu, consegue realizar as tarefas que ele realiza). Ellen Winner também defende que as crianças sobredotadas auto-propõem-se a melhorar e a realizar o que desejam de forma o mais autónoma e independente possível(como o caso de Marc Yu em aprender a andar de bicicleta). A psicóloga também acredita que as crianças avançadas, ao realizarem exaustivamente as tarefas que pretendem, entram num ciclo virtuoso de aprendizagem, que simplesmente as melhora mais e mais, tornando-as sempre cada vez mais diferentes dos outros, o que pode constituir uma desvantagem, visto este tipo de crianças ser rejeitada socialmente pelas diferenças notórias na mentalidade, podendo até serem “rotuladas” de anormais, passando a estar isoladas.      De resto, o desenvolvimento tardio do córtex pré-frontal, responsável pela razão e auto-controlo, durante a puberdade, pode representar perigo no futuro de pessoas como Marc Yu.
Como se sabe, a música envolve várias tarefas simultâneas: os músicos têm de interpretar as notas que aparecem na pauta musical, mexem os dedos para produzir a nota certa e ouvem o que estão a tocar. O facto dos músicos, por exemplo, terem de usar simultaneamente as duas mãos para tocar é algo que exige um esforço cerebral, conseguido, por um lado, pelo controlo do membro superior esquerdo pelo hemisfério direito e, por outro lado, pelo controlo do membro superior direito pelo hemisfério esquerdo. Apesar de cada hemisfério comandar apenas um lado do corpo, estes têm de funcionar em harmonia para permitir a precisão e coordenação necessária aos músicos para tocar. Também o cerebelo ou o corpo caloso exercem funções de finalidade musical, provando assim que a interacção cerebral e a sua complexidade permitem as actividades mentais.



 Pesquisas realizadas pelo neurologista Gottfried Schlaug revelaram, como se verificou no episódio, que os cérebros dos músicos apresentam especializações anormais num cérebro normal, precisamente adaptadas para a função que realizam(o cerebelo, por exemplo), permitindo a coordenação e concentração necessárias à actividade, provando a moldagem cerebral que enquanto crianças cada um sofre.
No caso de cientistas americanos, a experiência a que sujeitaram crianças de bairros desfavorecidos mostraram serem enriquecedoras, com as crianças como objecto de estudo a revelaram melhores pontuações de QI em relação a outras crianças não sujeitas a testes, melhores percursos académicos e melhores vidas, enfim. Os resultados obtidos remetem de novo para uma moldagem e capacidade de apredizagem nas crianças bem antes da idade escolar, começando logo no período recém-nascido. O projecto “Abecedário”, como o chamaram, demonstrou não só que as crianças são fruto de estímulos que são recebidos desde pequenos, mas também que o que somos e o sucesso que possamos ter tido/vir a ter é devido ao que o ambiente ao nosso redor nos proporcionou.
Quanto ao caso de Genie, a rapariga que viveu privada de socialização e processos de aprendizagem progressiva, as conclusões a tirar são reflexo das consequências: a menina não sabia falar, precisamente porque nunca tinha sido estimulada a tal, e mal andava, precisamente pelo mesmo motivo. O atraso mental de Genie em relação à sua idade “corporal” devia-se a um salto dado numa fase crucial da sua vida. Um cérebro em crescimento usa uma regra brutal para manter a funcionalidade e organização cerebral, que consiste em cortar ligações que aparentemente são desnecessárias à pessoa(se não se usa, corta-se) e que acontece enquanto bebé e na puberdade. Devido ao não-estímulo de capacidades normais a qualquer pessoa, como falar, o cérebro de Genie cortou as ligações cerebrais relacionadas com as aptidões linguísticas, deixando-a irremediavelmente sem conseguir falar com fluência. Percebeu-se, assim, que o cérebro atravessa fases decisivas para o seu desenvolvimento, e que, quando passadas, não têm retorno, deixando o cérebro inapto a realizar certas conexões, que depois incapacitam a pessoa em questão de realizar certas funções.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

O funcionamento sistémico das áreas corticais


 Actividades como ouvir uma palavra, falar ou ler implicam diferentes áreas do cérebro e a coordenação entre elas.

 Para que uma pessoa consiga repetir uma palavra que ouviu anteriormente, é necessário que a informação/impulso nervoso passe, primeiramente, pelo córtex auditivo primário, depois pela área de Wernicke e depois na área de Broca até chegar ao córtex primário motor, que coordena os movimentos.
 Já para que uma pessoa leia uma palavra escrita, a informação/impulso nervoso passa pelo córtex visual primário, seguido da área de Wernicke e Broca, e finalmente no córtex primário motor.

Nota: De notar que os significados que damos ao que ouvimos, lemos e falamos são influenciados por emoções, afectos, sentimentos e comportamentos. Por isso, a linguagem envolve os dois hemisférios e áreas pré-frontais de integração.













Figs.9 e 10 - Ler e repetir palavras ouvidas são tarefas complexas que, mesmo assim, nos são banais diariamente

sábado, 25 de fevereiro de 2012

A especialização das áreas corticais

 A comunidade científica considera que as áreas corticais funcionam como um só, de forma coordenada e complementar. No entanto, é possível analisar cada uma delas.

 Lobo frontal - Está implicado nas funções conscientes e na elaboração de comportamentos em resposta aos estímulos ambientais. As decisões do dia-a-dia são desenvolvidas neste lobo, tal como as respostas emocionais, a linguagem expressiva e as memórias de rotinas/actividades motoras.

Nota: O córtex pré-frontal é responsável pelas funções intelectuais superiores e pelas capacidades de previsão, planificação e tomada de decisão; a área de Broca localiza-se neste lobo.

 Lesões nesta zona cortical podem ter consequências:

  • Perda de movimentos simples em várias partes do corpo(paralisia cortical);
  • Incapacidade para planear sequências de movimentos complexos(apraxia);
  • Alteração da capacidade de expressar a linguagem(afasia de Broca);
  • Perturbação na escrita(agrafia);
  • Perda de flexibilidade de pensamento/capacidade de resolução de problemas.

 Lobo parietal - Abrange o reconhecimento visual e a percepção táctil.

 Lesões nesta zona cortical podem igualmente ter consequências:

  • Incapacidade em concentrar-se em mais que um objecto de cada vez ou nomear um objecto(anomia);
  • Dificuldades ao nível da leitura(alexia);
  • Dificuldades ao nível das operações matemáticas(discalculia).
 Pode ainda haver ausência de reconhecimento de partes do próprio corpo(agnosia somatossensorial) ou perda de sensibilidade em áreas corporais(anestesia corporal).


 Lobo temporal - Associado à capacidade auditiva e à formação de memórias.

 Lesões nesta zona cortical podem ter consequências nefastas:

  • Incapacidade de ouvir sons elementares(surdez cortical);
  • Incapacidade de reconhecer sons vulgares(agnosia auditiva);
  • Dificuldades na compreensão do discurso oral(afasia de Wernicke);
  • Dificuldades no reconhecimento de rostos(prosopagnosia)
  • Distúrbios ao nível da atenção selectiva.
 Como é de notar, a área de Wernicke localiza-se neste lobo.


 Lobo occipital - Associado à visão.

 Lesões nesta zona cortical podem levar a:

  • Défices na visão(parcialmente ou totalmente);
  • Dificuldade em identificar objectos e/ou cores no meio ambiente(agnosia visual).
 Os sujeitos com lesões no lobo occipital podem ainda ser incapazes de receber informações dos estímulos visuais(cegueira cortical) ou ter ainda alucinações ou ilusões de óptica.

 Embora sejam semelhantes em aparência, o hemisfério esquerdo e o direito apresentam diferenças que sustenham a tese de lateralização das funções, que defende que as áreas relacionadas com determinadas funções estão mais desenvolvidas num dos hemisférios.

 A área de Broca está associada à produção de linguagem e às suas propriedades expressivas. Assim, lesões nesta área devem perturbar a produção da fala sem produzir défices na compreensão da linguagem. A área de Wernicke localiza-se no lobo temporal esquerdo, atrás do córtex auditivo primário, e ficou associada às propriedades receptivas da linguagem. Assim, as lesões nesta área provocam má compreensão da linguagem escrita e falada e o sujeito lesado apresenta um discurso sem sentido, mas mantém a estrutura superficial do discurso.

 Dominância cerebral: o hemisfério esquerdo seria dominante sobre o hemisfério direito, pois estava implicado em funções mais importantes e complexas que o outro hemisfério(p.e a linguagem).

A organização funcional do cérebro

 A teoria das localizações cerebrais iniciou-se, em 1796, com Joseph Gall a criar a frenologia.
 As associações cerebrais mais simples correspondem às áreas primárias que permitem, por exemplo, a recepção e o processamento elementar de informação sensorial; as relações menos claras referem-se às áreas do córtex associativo ou áreas secundárias, que implicam um processamento de informação mais complexo. Existem ainda áreas de integração e coordenação(localizadas na região pré-frontal), onde se estabelecem relações com as áreas primárias e secundárias, unificando a actividade cerebral.